“Não podemos
acreditar em verdadeira liberdade e democracia enquanto existirem pessoas
privadas de direitos e da sua própria liberdade”
Angela Davis
“Liberdade é coisa
que se conquista conjuntamente”
Juliana Borges
Em época de pandemia é
preciso repensar a função social das instituições de ensino. É preciso atuar no
sentido de proporcionar conhecimento e mediar bem-estar entre todas as
formas-de-vida que compõem nossa comunidade – entre os membros das famílias -, ato
que está muito além das técnicas pedagógicas de ensinar, do oferecimento puro e
simples de conteúdos pedagógicos e grade curricular. Pelo o que temos lido e pesquisado... a
quarentena durará mais tempo e o prazo colocado pelas autoridades governamentais
será, seguramente, ampliado.
A luta que se impõe à nós,
nesse tempo, é a construção de um empoderamento humano e isso, é coisa que se
constrói junto, com empatia, essa tão falada habilidade de projetarmos em nós
dificuldades, valores, sentimentos e ideias do outro; do estranho.
A ideia também não é
despertar uma solicitude benevolente, ou assistencialista, tampouco
salvacionista. A ideia é que, a partir desse momento de isolamento social,
quarentena responsável e reflexão, sejamos capazes de viajar dentro de nós
mesmos e nos projetar no outro para que compreendamos visceralmente que
LIBERDADE É COISA QUE SE CONQUISTA CONJUNTAMENTE e não deve JAMAIS, ser
mercadoria, moeda de troca ou privilégio de poucos.
Tempos de crise evidenciam
a miséria e vulnerabilidade da nossa sociedade. Existem diversas formas de
materializar injustiças... e momentos de tribulação fazem isso de forma evidente
e trágica. Há algo muito errado com as bases de nossa fundação enquanto pólis e
isso tudo precisa ser repensado. Sabemos que a Educação é campo de conflito,
questionamentos e transformação. Assim sendo, como comunidade de ensino, somos
o lugar ideal para repensar as bases, o nosso papel e propor reflexões
significativas diante da crise.
A disseminação desse vírus - o corona - que rapidamente transformou-se
em pandemia, traz consigo o caos e o colapso. Traz alto risco de contaminação
para nós, para quem amamos e queremos bem. Potencializa nosso caos interior. Mas não para por aí... Traz também o caos nas
relações de trabalho, no contrato social - até então estabelecido e silenciado
-, no impulso imanente de produção... evidencia o furo na relação social de
produção. A pandemia explicita a ineficiência do sistema, quão frágil e
insustentável é o nosso modus vivendi;
escancara as entrelinhas, o subentendido, o mal-dito: que o sistema é mais
importante do que as pessoas que nele vivem.
Estamos assistindo a
concretização do inevitável: pessoas vulneráveis e fragilizadas pelo sistema
partirem da situação de exclusão
para a de extermínio; e é exatamente
isso que o filósofo camaronês Achille Mbembe chamou ‘necropolítica’.
O repórter Ricardo Westin
escreveu um artigo para El País sobre a gripe espanhola no Brasil, em 1918. O
trecho que gostaríamos de transportar chama-se “Os pobres ao deus-dará”:
A epidemia escancara uma
deficiência grave do Brasil: em termos de saúde, os pobres estão ao deus-dará.
Não há hospitais públicos. Não é raro que as pessoas, assim que se descubram
“espanholadas”, busquem socorro nas delegacias de polícia. Quem, aos trancos e
barrancos, presta alguma assistência à população carente são instituições de
caridade, como as santas casas e a Cruz Vermelha.
— As famílias ricas são
menos atingidas do que as famílias pobres porque se refugiam em fazendas no
interior do país, mantendo distância do vírus — conta o historiador Leandro
Carvalho, professor do Instituto Federal de Goiás e autor de dois estudos sobre
a epidemia de 1918.
Como conjugar então,
sujeição e liberdade, já que prevemos diversas crises acessórias e posteriores
a pandemia do coronavírus?! Se era preciso algo suficientemente forte para
abolir o estado atual das coisas, já temos. Não é questão de ceticismo, pelo
contrário, é a propositura de uma utopia eficaz, que age para reforçar nosso
senso de coletividade e oferece esperança em um mundo incerto.
Continuemos
em casa, mixando serenidade e inquietude. Mas, enchendo nossos corações, mentes
e mãos de indignação, desejo de transformação, amor e CORAGEM. Porque depois
que todo esse perigo biológico passar... ficará a consequência sócio-econômica
do caos. E é aí que poderemos agir em prol de uma mudança. Algo totalmente
diferente do que vivemos até agora. Talvez possamos iniciar novos projetos,
estabelecer outros hábitos e padrões de consumo, amar mais, construir novas
leis e uma sociedade onde o sistema não seja mais importante do que as pessoas
que nele vivem; onde coisas não importem mais do que pessoas; onde o principal
objetivo legislativo e institucional não seja proteger a propriedade privada e a
liberdade de mercado ACIMA DOS INTERESSES DA COLETIVIDADE. Podemos nos propor a
repensar nossa humanidade e estrutura diante dessa crise, nossas relações,
nosso olhar sobre o outro. Estamos todos evoluindo. E precisamos ter a certeza
de estarmos fazendo isso juntos.Já que liberdade
é coisa que se conquista conjuntamente, não haverá espaço para quem quiser
manter o status quo. Nós, em união,
não permitiremos.
Carolina Parrode, quarentenista.