"Não
sei se espíritos enganadores pairam sobre este lugar, ou se é no meu coração
que está a ardente e celeste fantasia que fornece uma atmosfera de paraíso a
tudo o que me rodeia"
Os
sofrimentos do jovem Werther, W. Goethe.
Era um sábado cansado e quando cheguei você
já estava lá com seus óculos escuros e uma cerveja de garrafa. A mesa tinha um
desajeito.
A voz grave da cantora entoava Christian
& Ralf, o cachorro caramelo com os bagos rente às patas perambulava na
esperança de degustar carne.
Um senhor, alegremente dançava e sorria com
suas gengivas saudáveis, em meio a calçada feita salão de baile.
Ele me fez rir.
O ocaso trouxe sentimentalidades cujas
modulações mesclavam descrença, graça e delicadeza. Quimiotipia do século XIX,
deixei o barco descer livremente a correnteza.
Tinha um olhar que me atravessava deliciosa
e profundamente. E foi aí que parei de olhá-lo de soslaio. Fez por merecer.
Comecei a achar adolescentemente carinhoso,
ridículo-quase-sedutor o jeito como segurava minha mão.
Tinha riso e espontaneidade.
Veio o domingo e eu estava pensando em você.
Dia ordinário e tranquilo, não eram assim as manhãs dominicais: deitada, como um álibi; pensamento tomado por desatino.
Talvez tenha sido seu olhar meio caído, feito cachorro. Eu gosto de cachorros. Talvez soe familiar.
Sem desculpas.
Meu corpo se antecipa, conhece o mundo antes
de mim. Os corpos são convincentes e cabais.
Contudo, você não me deixa conhecer nosso mundo através do seu corpo. Talvez se deixasse, eu nem tiraria meu domingo para desatinar. Provavelmente estaria almoçando com algum dos não-eleitos. São todos eles uma massa masculina pairando na minha atmosfera.
Tenho cautela para não ser exigente demais
e, ainda assim, rechaçar o descabido. Se é nonsense, pode significar meu
fracasso no divã.
Ainda bem que és competente em fugir, porque
se cai uma gota de erotismo nessa ternura, não haveria vinho e nem disciplina com força de impedimento. E, nesse caso, não presto para o trabalho.
Gosto do werther, mas você exagera. Acho inútil,
porém funcional. Sou boa de espera, mas não muito.
Seu cortejo me provoca e desanima, apesar da
minha voracidade usual.
“Posso?"
Desânimo. Desalma.
Sigo aquela picada no meio da mata que indica a direção: se é vereda, a linguagem é fluente. Tudo flui, tudo frui. Usufruímos menos, bem menos do que poderíamos.
Não há um eleito. E se eu quisesse que fosse você?
Você não quer.
Eu sei que amanhã é segunda-feira e vai
passar.
Não gostaria, mas passa.
Sei lá... Deve ser seu cheiro. O cheiro e a presença. A voz. Não, não. São os olhos caídos e meu gosto por cachorros. É isso. Parou nisso.
Mas também gosto do olhar e do toque. Do beijo, nem lembro mais.
Odeio a insegurança. Sua covardia me empurra pra lá. Rabugento, ingrato com a vida... Reclama. Aprecia restaurante português, mas não come bacalhau.
Descabimento.
Seria gostoso um pouco de confiança e devoção da minha parte. É raro mas acontece.
Obedeço deleitosamente.
Mande-me te beijar, ficar ao seu lado, tirar a roupa - a minha ou a sua. Mande-me ficar de roupa. Escolha o lugar, diga que está chegando, escolha o vinho. Tente me desconcertar.
Eu queria muito você. Assim, em outro tempo mesmo.
Queria, na verdade, que você fosse outro...
Um outro que não estragasse a poesia de tudo nos últimos cinco minutos de prosa.
Carolina.
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