sexta-feira, 23 de fevereiro de 2018

A Liturgia Extraordinária

Domingo. Almoço de família. Todos ali, de mamando à caducando. Amigos e seus pares – recentes e antigos... todos, enfim! O ambiente não estava tão divertido e carecia de uma animação. Foi então que decidi pedir ajuda ao meu querido. Ele estava plácido ali na biblioteca...

- Carlos!

Ele veio silente... chegou até mim com sua usual inteligência, humor, perspicácia e fina retórica.

É claro que “O Amor Natural” talvez não seja a escolha mais adequada para um pequeno recital no almoço de domingo... Mas confesso que a experiência foi, no mínimo, divertida! Aliás, falar de sexo em meio aos humanos, sempre é!

O que Drummond faz em “O Amor Natural”, nos cora as bochechas diante do avô, mas também nos anima e nos recoloca. Juntamente com o poeta, admitimos uma derrota diante das consumições eróticas. Porque é bom ler Drummond, de qualquer jeito e em qualquer ocasião!


E bem sabe quem me escutou naquela tarde: o que mais houvesse para acontecer na cama entre homens e mulheres, estava lá... escancarada na poesia. Como pode!? Aquele velhinho tão terno, tão respeitável!

Pois é, mas sem deixar nossa perspicácia ser embaçada pela óbvia timidez mineira drummondiana, bem sabemos que Carlos já cultivava o erotismo desde sempre! Aquele humor, aquela ironia, a inteligência, a paixão!

E assim transcorreu nosso ordinário almoço de domingo... Drummond rendendo-se a sua inusitada produção de poemas e os comensais rendidos... entregues à degustação de seus escritos... passeamos todos de mãos dadas entre o erotismo, a concupiscência e a carnalidade, em completo despudoramento dominical.


AMOR — POIS QUE É
PALAVRA ESSENCIAL


Amor — pois que é palavra essencial
comece esta canção e toda a envolva.
Amor guie o meu verso, e enquanto o guia,
reúna alma e desejo, membro e vulva.



Quem ousará dizer que ele é só alma?
Quem não sente no corpo a alma expandir-se
até desabrochar em puro grito
de orgasmo, num instante de infinito?



O corpo noutro corpo entrelaçado,
fundido, dissolvido, volta à origem
dos seres, que Platão viu contemplados:
é um, perfeito em dois; são dois em um.



Integração na cama ou já no cosmo?
Onde termina o quarto e chega aos astros?
Que força em nossos flancos nos transporta
a essa extrema região, etérea, eterna?



Ao delicioso toque do clitóris,
já tudo se transforma, num relâmpago.
Em pequenino ponto desse corpo,
a fonte, o fogo, o mel se concentraram.



Vai a penetração rompendo nuvens
e devassando sóis tão fulgurantes
que nunca a vista humana os suportara,
mas, varado de luz, o coito segue.



E prossegue e se espraia de tal sorte
que, além de nós, além da própria vida,
como ativa abstração que se faz carne,
a ideia de gozar está gozando.



E num sofrer de gozo entre palavras,
menos que isto, sons, arquejos, ais,
um só espasmo em nós atinge o clímax:
é quando o amor morre de amor, divino.



Quantas vezes morremos um no outro,
no úmido subterrâneo da vagina,
nessa morte mais suave do que o sono:
a pausa dos sentidos, satisfeita.


Então a paz se instaura. A paz dos deuses,
estendidos na cama, qual estátuas
vestidas de suor, agradecendo
o que a um deus acrescenta o amor terrestre.


(do livro: O Amor Natural. autor: Carlos Drummond de Andrade. editora: Record.) 














Carolina Parrode, amante.




Caro(a) leitor(a), suponhamos que se chegou até aqui, se degustou, com e como nós, os escritos de Drummond, certamente algo te acalora. Se assim for, que bom! Não resfrie. Ouça:  


3 comentários:

  1. Carlos... Carlos...artista das palavras, do amor , da carne e da alma!! Amei girls arrasaram!! 😍🙌👏👏⭐️🌺🌺

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  2. Lindo, Carol e Cristina! Também AMO Drummond!! ❤

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